Sociologia do Respeito (2)
Não uma continuação do outro texto Sociologia do Respeito, mas uma construção propositiva nascida das cinzas ideológicas, este texto virá abordar com um teor mais realista e profundo uma das convenções morais mais macabras da história do ser humano, aquela que busca legitimar absurdamente a resignação perpétua, isto é, o respeito.
Nos quadrinhos (sem querer fazer uma analogia clichê, mas já fazendo) do Batman existe um personagem que foi e continua sendo objeto de contemplação da filosofia, no que compete aos adeptos do esvaziamento, da niilificação. Este é o Coringa, figura extremamente odiada na história do quadrinho. Símbolo de inúmeros adjetivos negativos, segundo certa hegemonia presente na história, tais como: imoral, vândalo, delinqüente, terrorista, malvado, destruidor, violento, demoníaco - dentre outros - ainda sim é contemplado. Ora, é contemplado simplesmente por ser excêntrico? Às vezes, equivocadamente. O coringa não é objeto elegante de hermenêutica filosófica, mas é uma personificação direta do sublevador moral, do transvalorizador, do anti-culturalizador. É nele que se encontra a contestação radical da justiça, das verdades. O Batman representando a justiça hegemônica, o Coringa representando o esvaziamento, a destruição de tudo o que pode não ser verdadeiro.
Na filosofia, precisamente em Sócrates, as convenções morais ganharam deificação, se tornaram o valor absoluto da intenção moral (Pierre Hadot, O Que é A Filosofia Antiga). Nesta época agônica, o valor absoluto do Bem - que em Sócrates não é nada além que as leis de atenas - não era suficiente para o fantoche da filosofia tendenciosa, a filosofia de platão¹, na era clássica; era preciso, ainda, ter a intenção de fazer o bem: tamanha era a preocupação em preservar o ócio (a academia) dos filósofos! A idéia de justiça na academia de Platão, era muito bem definida, por mais que se usasse o verniz suavezante do anti-dogmatismo, ou seja, a maiêutica, o "só sei que nada sei" de Sócrates, os diálogos e etc. Uma microfísica do poder (Michel Foucault, Microfísica do Poder) poderia ser usada em análise na Atenas filosófica - se essa era ou não a intenção de Platão não vem ao caso agora - afinal, atenas precisava de controle social, por mais que isso seja anacronismo de se dizer, ela precisava preservar a ordem estabelecida.
Batman incorporou essa intenção de fazer o Bem da era clássica, enquanto o Coringa encarnou o homem meta-ético (Ernani Chaves, O Silêncio da Tragédia Leituras de Walter Benjamin), o homem do além do bem e do mal de Nietzsche, "o Único e a sua causa" (Max Stirner, O Único e a Sua Propriedade). O Coringa era indiferente à tudo, até indiferente à dor. Nada estava além da tua causa. Negava todas as convenções possíveis, deixando apenas sua ânsia de destruir tudo o que havia sido criado até então. Ele era o niilista em sua pragmática, romantizado pelo seu sorriso imperativo e suas cores cafonas sem sentido; era o acaso, sem nenhuma consequência histórica, era o absurdo, era o pesadelo e falsificação do sistema espiritual de Hegel. É por isso e tantas outras que o Coringa é um personagem tão querido na filosofia, seja na sua existência pragmática, seja no que representa.
As convenções morais e sua imposição para forçar todos indiretamente em ter a intenção de aceitá-las, tem uma função central para os indivíduos do poder: evitar que surja das cinzas um Coringa real. É no Coringa que se encontra o mais terrível e temido pesadelo destes indivíduos. Nele é presente a possibilidade prática de arruinar todos os pilares que sustentam a hierarquia econômica. A preocupação destes é tal que não cessam um segundo de trabalhar para que não surja um destruidor vestido de palhaço - afinal a possibilidade física de um coringa é mais provável que a de um Batman "planador". Tudo o que há de imprevisível está no Coringa, nele não se encontra sistemas fechados, dogmas ou doutrinas; não se encontram mediações e limites morais; é impossível qualquer aplicação psicanalítica. O que os homens do poder poderiam fazer para se defender? Não há religião, crença, cultura ou campanha conscientizadora que possa prever seus passos, nem mesmo é possível prever suas falhas. O que se faz quando, desprovido de qualquer orientação moral, alguém vestido de cabo-à-rabo de dinamites entra em um banco? É uma guerra sem aviso prévio, sem diálogo, sem previsão!
Apesar de tudo, Coringas já surgiram na história. Um deles, não se pode negar, foi Ravachol. Tendo visto sua família morrer na miséria, não cessou de destruir e matar² até que alguém conseguiu pará-lo. Até então, ele fez um tremendo estrago que o fez famoso e consolou sua angústia. Foi na contemplação sincera do ódio que Ravachol encontrou seu anti-daimon, seu interior niilificado, seu coringa. Tal contemplação vale lembrar que é proibida pelas convenções morais de grande parte da história. Pois, é no ódio que melhor se encontra a contingência insurreicionária, a imprevisibilidade e determinação do ato. Pode-se muito bem dizer que em uma briga, antes de começá-la, a vitória já está decidida em quem agregou melhor o ódio para projetá-lo como fúria. O ódio subverte o medo, a consciência moral e, portanto, o respeito. Tal ódio não nos parece presente no Coringa, mas ele antecede o mesmo - o Coringa, à partir de, provavelmente, um passado cruel, eclode o ódio e, consequentemente, sintetiza uma contingência inimaginável, a-histórica. Tal passado é um mistério no quadrinho: talvez esta seria a intenção do autor para expressar com mais intensidade sua espontaneidade.
Criada em um laboratório moral, a palavra respeito não me engana: ela é um fator primordial para controle social. Do que seria, por exemplo, da família se essa palavra não fosse tão minuciosamente valorizada? Esta palavra, dentre outras de uma consciência moral imperativa, é de suma importância para a perpetuação de qualquer submissão. Nela está presente todo um passado histórico de resignação humana, de ajoelhamento em massa para ideais, de super-valorização generalizada de causas alheias - Deus, a pátria, o chefe, e etc. Um pedestal enjaulado em ouro guarda essa palavra de toda e qualquer transgressão. O "políticamente correto", a ética e a consciência moral têm a chave para entrar nesta jaula e se contaminar da inércia que implica valorizar tal palavra. Mas, então, queremos dizer que deve-se suprimí-la por completo? Não. O respeito ainda é uma convenção social viável. Contudo, deve-se refletir onde ela merece ser valorizada mas, ainda sim, NUNCA deve ser super-valorizada, nunca deve ser sacralizada; a cada situação ela deve ter sua valorização mediada, em acordo com a verdade. No que tange à ideais, a palavra respeito deve ser mediada com a maior atenção possível: é no mundo das idéias, nas causas estranhas que ela deve ser menos valorizada. Na caso de negligência valorativa neste caso, traimos à nós mesmos pacificando-nos frente à absurdos tendenciosos, com - quase sempre necessariamente - fins que garantem a prática egoista de alguns poucos.
Deus e a pátria, por exemplo, negligenciam a atenção à gestão do mundo de seus súditos à todo o momento, mas NUNCA negligenciam o aperfeiçoamento dos instrumentos de convencimento que super-valorizam o respeito. Antes de servir as suas causas, eles se preocupam com a própria pele. Antes de retribuir a servidão de seus escravos eles precisam garantir e perpetuar essa estratificação entre senhor e súdito. É justamente nisto que a palavra respeito tem sua maior importância, sua funcionalidade em essência: proteger a hierarquia e a ordem estabelecida. Com a super-valorização do respeito, isto é, da submissão disfarçada, descarta-se a demasiada preocupação com as forças coercitivas. No caso de Deus, descarta-se a necessidade de um exército fortemente armado no Vaticano, por exemplo; no caso da pátria descarta a necessidade frequente de tropas de choque; na família descarta-se a vergasta sempre no cinto do pai; nos súditos, o mais curioso, descarta-se quase sempre a necessidade de andarem armados. O que mais impressiona, todavia, é que o respeito não costuma ser presente entre os que exigem respeito. Afinal, o próprio ato, por exemplo, de respeitar religiões pode ser falsificado uma vez que respeitar religiões é uma idéia anti-religiosa. Aqueles que justamente trabalham incessantemente para garantir a imunidade da super-valorização da palavra não a fazem em prática. O caso clássico é a de que religiões não se respeitam reciprocamente. Guerras e inúmeras mortes foram causadas por isto. É neste sentido que podemos envidenciar o quanto que essa parte da consciência moral é tão laboratorial e tendenciosa. Ela é imposta e ao mesmo tempo ignorada por alguns para prejudicação de muitos.
A mediação de valorização do respeito, portanto, é fundamental para o compromisso com a verdade. Respeitar, porquê? É preciso ter esclarecido que muitas das desgraças que aconteceram e acontecem no mundo continuam ocorrendo em função da super-valorização de tal palavra. Negá-la, muitas vezes, será o estopim principal para iniciar o caminho da liberdade, da superação. É conveniente considerarmos por agora que na maioria dos casos respeitar algo que não lhe respeita é medíocre e redenção. Respeitar, portanto, culturas, ideais e doutrinas que não respeitam umas as outras, que não respeitam a autonomia espiritual de um indivíduo (batizado quando bebê por exemplo e a obrigação do serviço militar), que são uma entrave para a evolução social e da ciência, que perpetuam a hierarquia social e tudo aquilo que faz do mundo uma contradição escrupulosa será, necessariamente, a redenção, o "vender a alma ao diabo", a inércia, o descompromisso para com a verdade. Para não cair nisto, é necessário o exame radical e niilificador de nossos próprios valores, do que julgamos como justiça, como o Bem. A moral não passa de meras convenções absolutamente inteligíveis para a verdade do cosmo - ela é passível de transvalorização ou mesmo de sua destruição. Não haverá, jamais, um ser humano em sua totalidade virtuosa enquanto tais paradigmas não forem contestados à partir do Nada - não no sentido da vacuidade mas no sentido do Nada Criador³ - com a face da a-historicidade, da sinceridade com a própria vida e do Eu. Pois, sem existir escapatória, o que sempre vence no final é aquele que já está a caminho da totalidade, que já superou o Coringa, que seus atos - altamente imprevisíveis - pode mudar tudo, que sublevou a consciência moral, que subverteu o respeito.
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¹ Tal afirmação é uma posição pessoal frente à filosofia platônica pensando-a à partir de uma análise anacrônica.
² Ravachol não foi um serial killer, mas foi um anarquista ilegalista do final do século XIX. Uma de suas aventuras está a de que, durante a noite, entrou na casa de um famoso e rico burguês e lhe desferiu uma machada na cara enquanto dormia, matando-o.
³ A Minha Causa é a Causa do Nada, O Único e a Sua Propriedade, Max Stirner.
- Benny
Nos quadrinhos (sem querer fazer uma analogia clichê, mas já fazendo) do Batman existe um personagem que foi e continua sendo objeto de contemplação da filosofia, no que compete aos adeptos do esvaziamento, da niilificação. Este é o Coringa, figura extremamente odiada na história do quadrinho. Símbolo de inúmeros adjetivos negativos, segundo certa hegemonia presente na história, tais como: imoral, vândalo, delinqüente, terrorista, malvado, destruidor, violento, demoníaco - dentre outros - ainda sim é contemplado. Ora, é contemplado simplesmente por ser excêntrico? Às vezes, equivocadamente. O coringa não é objeto elegante de hermenêutica filosófica, mas é uma personificação direta do sublevador moral, do transvalorizador, do anti-culturalizador. É nele que se encontra a contestação radical da justiça, das verdades. O Batman representando a justiça hegemônica, o Coringa representando o esvaziamento, a destruição de tudo o que pode não ser verdadeiro.
Na filosofia, precisamente em Sócrates, as convenções morais ganharam deificação, se tornaram o valor absoluto da intenção moral (Pierre Hadot, O Que é A Filosofia Antiga). Nesta época agônica, o valor absoluto do Bem - que em Sócrates não é nada além que as leis de atenas - não era suficiente para o fantoche da filosofia tendenciosa, a filosofia de platão¹, na era clássica; era preciso, ainda, ter a intenção de fazer o bem: tamanha era a preocupação em preservar o ócio (a academia) dos filósofos! A idéia de justiça na academia de Platão, era muito bem definida, por mais que se usasse o verniz suavezante do anti-dogmatismo, ou seja, a maiêutica, o "só sei que nada sei" de Sócrates, os diálogos e etc. Uma microfísica do poder (Michel Foucault, Microfísica do Poder) poderia ser usada em análise na Atenas filosófica - se essa era ou não a intenção de Platão não vem ao caso agora - afinal, atenas precisava de controle social, por mais que isso seja anacronismo de se dizer, ela precisava preservar a ordem estabelecida.
Batman incorporou essa intenção de fazer o Bem da era clássica, enquanto o Coringa encarnou o homem meta-ético (Ernani Chaves, O Silêncio da Tragédia Leituras de Walter Benjamin), o homem do além do bem e do mal de Nietzsche, "o Único e a sua causa" (Max Stirner, O Único e a Sua Propriedade). O Coringa era indiferente à tudo, até indiferente à dor. Nada estava além da tua causa. Negava todas as convenções possíveis, deixando apenas sua ânsia de destruir tudo o que havia sido criado até então. Ele era o niilista em sua pragmática, romantizado pelo seu sorriso imperativo e suas cores cafonas sem sentido; era o acaso, sem nenhuma consequência histórica, era o absurdo, era o pesadelo e falsificação do sistema espiritual de Hegel. É por isso e tantas outras que o Coringa é um personagem tão querido na filosofia, seja na sua existência pragmática, seja no que representa.
As convenções morais e sua imposição para forçar todos indiretamente em ter a intenção de aceitá-las, tem uma função central para os indivíduos do poder: evitar que surja das cinzas um Coringa real. É no Coringa que se encontra o mais terrível e temido pesadelo destes indivíduos. Nele é presente a possibilidade prática de arruinar todos os pilares que sustentam a hierarquia econômica. A preocupação destes é tal que não cessam um segundo de trabalhar para que não surja um destruidor vestido de palhaço - afinal a possibilidade física de um coringa é mais provável que a de um Batman "planador". Tudo o que há de imprevisível está no Coringa, nele não se encontra sistemas fechados, dogmas ou doutrinas; não se encontram mediações e limites morais; é impossível qualquer aplicação psicanalítica. O que os homens do poder poderiam fazer para se defender? Não há religião, crença, cultura ou campanha conscientizadora que possa prever seus passos, nem mesmo é possível prever suas falhas. O que se faz quando, desprovido de qualquer orientação moral, alguém vestido de cabo-à-rabo de dinamites entra em um banco? É uma guerra sem aviso prévio, sem diálogo, sem previsão!
Apesar de tudo, Coringas já surgiram na história. Um deles, não se pode negar, foi Ravachol. Tendo visto sua família morrer na miséria, não cessou de destruir e matar² até que alguém conseguiu pará-lo. Até então, ele fez um tremendo estrago que o fez famoso e consolou sua angústia. Foi na contemplação sincera do ódio que Ravachol encontrou seu anti-daimon, seu interior niilificado, seu coringa. Tal contemplação vale lembrar que é proibida pelas convenções morais de grande parte da história. Pois, é no ódio que melhor se encontra a contingência insurreicionária, a imprevisibilidade e determinação do ato. Pode-se muito bem dizer que em uma briga, antes de começá-la, a vitória já está decidida em quem agregou melhor o ódio para projetá-lo como fúria. O ódio subverte o medo, a consciência moral e, portanto, o respeito. Tal ódio não nos parece presente no Coringa, mas ele antecede o mesmo - o Coringa, à partir de, provavelmente, um passado cruel, eclode o ódio e, consequentemente, sintetiza uma contingência inimaginável, a-histórica. Tal passado é um mistério no quadrinho: talvez esta seria a intenção do autor para expressar com mais intensidade sua espontaneidade.
Criada em um laboratório moral, a palavra respeito não me engana: ela é um fator primordial para controle social. Do que seria, por exemplo, da família se essa palavra não fosse tão minuciosamente valorizada? Esta palavra, dentre outras de uma consciência moral imperativa, é de suma importância para a perpetuação de qualquer submissão. Nela está presente todo um passado histórico de resignação humana, de ajoelhamento em massa para ideais, de super-valorização generalizada de causas alheias - Deus, a pátria, o chefe, e etc. Um pedestal enjaulado em ouro guarda essa palavra de toda e qualquer transgressão. O "políticamente correto", a ética e a consciência moral têm a chave para entrar nesta jaula e se contaminar da inércia que implica valorizar tal palavra. Mas, então, queremos dizer que deve-se suprimí-la por completo? Não. O respeito ainda é uma convenção social viável. Contudo, deve-se refletir onde ela merece ser valorizada mas, ainda sim, NUNCA deve ser super-valorizada, nunca deve ser sacralizada; a cada situação ela deve ter sua valorização mediada, em acordo com a verdade. No que tange à ideais, a palavra respeito deve ser mediada com a maior atenção possível: é no mundo das idéias, nas causas estranhas que ela deve ser menos valorizada. Na caso de negligência valorativa neste caso, traimos à nós mesmos pacificando-nos frente à absurdos tendenciosos, com - quase sempre necessariamente - fins que garantem a prática egoista de alguns poucos.
Deus e a pátria, por exemplo, negligenciam a atenção à gestão do mundo de seus súditos à todo o momento, mas NUNCA negligenciam o aperfeiçoamento dos instrumentos de convencimento que super-valorizam o respeito. Antes de servir as suas causas, eles se preocupam com a própria pele. Antes de retribuir a servidão de seus escravos eles precisam garantir e perpetuar essa estratificação entre senhor e súdito. É justamente nisto que a palavra respeito tem sua maior importância, sua funcionalidade em essência: proteger a hierarquia e a ordem estabelecida. Com a super-valorização do respeito, isto é, da submissão disfarçada, descarta-se a demasiada preocupação com as forças coercitivas. No caso de Deus, descarta-se a necessidade de um exército fortemente armado no Vaticano, por exemplo; no caso da pátria descarta a necessidade frequente de tropas de choque; na família descarta-se a vergasta sempre no cinto do pai; nos súditos, o mais curioso, descarta-se quase sempre a necessidade de andarem armados. O que mais impressiona, todavia, é que o respeito não costuma ser presente entre os que exigem respeito. Afinal, o próprio ato, por exemplo, de respeitar religiões pode ser falsificado uma vez que respeitar religiões é uma idéia anti-religiosa. Aqueles que justamente trabalham incessantemente para garantir a imunidade da super-valorização da palavra não a fazem em prática. O caso clássico é a de que religiões não se respeitam reciprocamente. Guerras e inúmeras mortes foram causadas por isto. É neste sentido que podemos envidenciar o quanto que essa parte da consciência moral é tão laboratorial e tendenciosa. Ela é imposta e ao mesmo tempo ignorada por alguns para prejudicação de muitos.
A mediação de valorização do respeito, portanto, é fundamental para o compromisso com a verdade. Respeitar, porquê? É preciso ter esclarecido que muitas das desgraças que aconteceram e acontecem no mundo continuam ocorrendo em função da super-valorização de tal palavra. Negá-la, muitas vezes, será o estopim principal para iniciar o caminho da liberdade, da superação. É conveniente considerarmos por agora que na maioria dos casos respeitar algo que não lhe respeita é medíocre e redenção. Respeitar, portanto, culturas, ideais e doutrinas que não respeitam umas as outras, que não respeitam a autonomia espiritual de um indivíduo (batizado quando bebê por exemplo e a obrigação do serviço militar), que são uma entrave para a evolução social e da ciência, que perpetuam a hierarquia social e tudo aquilo que faz do mundo uma contradição escrupulosa será, necessariamente, a redenção, o "vender a alma ao diabo", a inércia, o descompromisso para com a verdade. Para não cair nisto, é necessário o exame radical e niilificador de nossos próprios valores, do que julgamos como justiça, como o Bem. A moral não passa de meras convenções absolutamente inteligíveis para a verdade do cosmo - ela é passível de transvalorização ou mesmo de sua destruição. Não haverá, jamais, um ser humano em sua totalidade virtuosa enquanto tais paradigmas não forem contestados à partir do Nada - não no sentido da vacuidade mas no sentido do Nada Criador³ - com a face da a-historicidade, da sinceridade com a própria vida e do Eu. Pois, sem existir escapatória, o que sempre vence no final é aquele que já está a caminho da totalidade, que já superou o Coringa, que seus atos - altamente imprevisíveis - pode mudar tudo, que sublevou a consciência moral, que subverteu o respeito.
__________________________________
¹ Tal afirmação é uma posição pessoal frente à filosofia platônica pensando-a à partir de uma análise anacrônica.
² Ravachol não foi um serial killer, mas foi um anarquista ilegalista do final do século XIX. Uma de suas aventuras está a de que, durante a noite, entrou na casa de um famoso e rico burguês e lhe desferiu uma machada na cara enquanto dormia, matando-o.
³ A Minha Causa é a Causa do Nada, O Único e a Sua Propriedade, Max Stirner.
- Benny
Comentários
O respeito sempre foi usado como a melhor defesa dos monstros opressivos da sociedade, tais quais as autoridades políticas, religiosas e patriarcais. Justificando muitas vezes práticas abusivas e desumanas, para quando do momento de serem questionados apelarem para o respeito, respeito unilateral que tem por objetivo a imposição de uma hierarquia que beneficia o que é respeitado unilateralmente e que aprisiona o fraco, submisso e covarde que deve respeitar somente e nunca ser respeitado.
O coringa é genial, mesmo depois de ter acabado a modinha por causa do filme Cavaleiro das Trevas ele ainda é reverenciado por uma grande parte da juventude, que ainda possui fôlego e vontade para questionar alguma coisa.
:*