Canais Iônicos e Potencial de Repouso
Na membrana das células neuronais estão, além de outras proteínas de membrana, os canais iônicos. Estes canais são proteínas de membrana integrais, isto é, atravessam a membrana de dentro a fora (KANDEL, 2003). Sua função crítica está em produzir alterações rápidas da diferença de potencial elétrico, levando informação a longas distâncias, tais como outros tecidos e órgãos (YU et al., 2005).
Havendo uma mudança no potencial elétrico ao longo da membrana, ou mesmo quando da presença de um ligante ou estímulo mecânico, estes canais sofrem mudanças conformacionais, permitindo a passagem seletiva de íons através deles (YELLEN, 1998). A passagem de íons através dos canais iônicos se dá de forma passiva, isto é, sem gasto de energia, segundo o gradiente químico favorecido: onde há, por exemplo, menos potássio tende-se a receber mais potássio. Contudo, no amplo mosaico de proteínas da membrana, se sabe também da presença uma outra classe de moléculas especializadas semelhantes aos canais iônicos. Estas moléculas, em especial, transportam íons contra o gradiente eletroquímico, mediante o uso de energia em forma de ATP (LENT, 2001). Este tipo de canal contribui significativamente para a manutenção do potencial elétrico, uma vez que, como iremos ver, há uma importante diferença de voltagem entre a parte interna e a parte externa da membrana durante o repouso e mesmo no potencial de ação.
Basicamente, há quatro tipos de canais iônicos: canais iônicos dependentes de ligante, canais iônicos dependentes de voltagem, canais iônicos dependentes de estimulação mecânica e os canais abertos ou canais de repouso (KANDEL et al., 2003). O primeiro tipo de canal fica a espera de uma determinada molécula, tal como um transmissor químico (um neurotransmissor, por exemplo) que, quando ligado ao canal, induz a uma mudança conformacional ou à abertura de uma comporta (LENT, 2001). O segundo tipo de canal citado, por sua vez, passa a permitir a passagem de íons quando uma mudança no gradiente elétrico se torna perceptível. O terceiro canal fica a mercê de um estímulo mecânico (estiramento da membrana, por exemplo); e, por fim, o quarto tipo de canal, o canal de repouso, permanece constantemente aberto, permitindo a livre passagem de íons por difusão através da membrana.
A capacidade de uma proteína sofrer novas conformações mediantes estímulos é denominada alosteria (LENT, 2001), uma propriedade muito importante para a compreensão dos mecanismos de trocas iônicas no neurônio. Tal propriedade é merecedora de estudos aprofundados, uma vez que sua investigação permite compreender circunstâncias importantes de interesse clínico.
Todos os quatro tipos de canais iônicos citados não dependem de gasto energético. Isto é possível graças às diferentes concentrações iônicas dentro e fora da célula, sobretudo no que se refere aos canais de repouso. O potássio se encontra em maior quantidade no meio intracelular, tendendo, portanto, a sair da célula. Contudo, o sódio e o íon cloreto se encontram em maior número no meio extracelular, tendendo a entrar na célula. Estes eventos culminam em uma diferença de voltagem dentro e fora da membrana que, no potencial de repouso, é de aproximadamente -65mV (KANDEL et al., 2003).
O número de canais na membrana da célula varia tão como sua seletividade. Cada canal permite mais facilmente a passagem de determinados íons, enquanto que, por outro lado, dificulta a passagem de outros íons. O canal de potássio, por exemplo, é cem vezes mais permeável ao potássio que ao sódio (KANDEL et al., 2003). Esta seletividade contribui, consequentemente, para que o tráfego tenda em um único sentido e tenha, por fim, um saldo elétrico final mais ou menos estável (-65mV). Contudo, já se sabe que essa estabilidade na diferença de potencial elétrico durante o repouso não é garantida. Para tanto, há de se falar em um outro canal já indiretamente citado, desta vez atuando com gasto energético: a bomba de sódio e potássio.
A bomba de sódio e potássio é uma proteína transmembrânica formada por uma subunidade catalítica α e uma subunidade glicoproteica reguladora β. Quando na presença de sódio e ATP, que se ligam, ambos, na porção catalítica intracelular da subunidade α, uma reação se dá início. Para tanto, é necessário que haja, concomitantemente, dois íons potássio ligando na porção extracelular. Respeitado estas condições, a partir da energia liberada por um grupo fosfato da molécula de ATP na subunidade catalítica, uma importante reação se dá início: exterioriza-se três íons potássio em troca de dois íons sódio interiorizados. O saldo final, portanto, é de um ânion a mais no meio intracelular, negativizando o lado interno da membrana e contribuindo, por fim, para a manutenção do potencial elétrico durante o repouso (KANDEL et al., 2003; LENT, 2001).
Em resumo temos, então, quatro tipos de canais que atuam sem gasto energético e mais a bomba de sódio e potássio. É importante dizer que o gradiente eletro-químico (elétrico porque há um saldo elétrico final; químico porque há diferentes quantidades iônicas) do qual falamos se dá nas proximidades da membrana plasmática (LENT, 2001). Contudo, sabe-se que o gradiente eletroquímico real leva em conta toda a porção extracelular e também toda a porção intracelular. Logo, ânions orgânicos, tal como os aminoácidos na porção intracelular, contribui para o saldo negativo final no meio interno da membrana. Por fim, o potencial de repouso se trata de um mecanismo, em si, bastante simples, mas que em nível de explicação reserva alguma complexidade
- Benny
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Referências Bibliográfcas
KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M. Princípios da neurociência. 4a Edição ed. Barueri, São Paulo.: Manole, 2003.
LENT, R. Cem bilhões de neurôneos: conceitos fundamentais da neurociência. São Paulo: Atheneu, 2001.
YELLEN, G.
The moving parts of voltage-gated ion channels. Quarterly Reviews of
Biophysics, v. 31, p. 239–295, 1998.
YU, F. H. et al. Overview of Molecular Relationships in the Voltage-Gated Ion Channel Superfamily. Pharmacological reviews, v. 57, n. 4, p. 387–395, 2005.
YU, F. H. et al. Overview of Molecular Relationships in the Voltage-Gated Ion Channel Superfamily. Pharmacological reviews, v. 57, n. 4, p. 387–395, 2005.
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