Mecanismos Moleculares de Armazenamento da Memória
Da Membrana ao Núcleo: Mecanismos Moleculares de Armazenamento da Memória.
Benilson Nunes; Paulo Roberto Queiroz.
Benilson Nunes; Paulo Roberto Queiroz.
Brasília, 2013.
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Resumo
Os estudos
relacionados ao armazenamento de memória têm apresentado notáveis avanços em
sua abordagem molecular. Enzimas chaves deste processo, tais como a proteína
cinase A (PKA) e a proteína cinase C (PKC), bem como fatores de transcrição
como a CREB-1 e a CREB-2, participam da plasticidade neuronal de consolidação
da memória. A bibliografia deste trabalho conta com alguns dos mais avançados
estudos relacionados à transdução de sinal em circuitos neuronais simples. As
pesquisas se pautam em duas modalidades de armazenamento convencionadas: facilitação
de curta duração (STF) e facilitação de longa duração (LTF), cada uma
apresentando seus mecanismos particulares. A facilitação de duração média (ITF)
também é mencionada. O objetivo do trabalho, portanto, é o de apresentar, de
maneira sistemática, a cadeia de eventos moleculares e celulares que acompanham
o armazenamento da memória implícita em suas diferentes durações. Em conclusão,
os avanços da biologia molecular prometem fornecer perspectivas cada vez mais
íntimas dos mecanismos que governam as funções mentais, em especial da memória.
O campo das neurociências tem se mostrado revelador nos últimos anos. Pesquisas moleculares deram início a diversas discussões a respeito dos mecanismos que correspondem, ou deveriam corresponder, aos processos mentais. Em geral, as pesquisas que tratam do funcionamento molecular no cérebro buscam, em grande parte, elucidações que contribuirão para o tratamento de determinadas patologias neurológicas como, por exemplo, o Alzheimer, Parkinson e a fibromialgia (MATSUDA et al., 2010). Contudo, nesta tentativa de elaborar novos tratamentos, e com a aceleração concomitante do avanço biotecnológico, uma nova perspectiva de estudo se apresentou, abrindo novos caminhos para o velho e importante debate que pretende superar o antigo dualismo entre “mente e cérebro” (RUSSO; PONCIANO, 2002).
A corrida pelo entendimento dos mecanismos últimos que governam o cérebro tem adotado, cada vez mais, uma abordagem materialista e naturalizante (RUSSO; PONCIANO, 2002), buscando se fundar em fatos de ordem bioquímica − como as cascatas enzimáticas disparadas a partir de receptores de membrana nos neurônios. Desta forma, a contínua edificação de conhecimentos relacionados, bem como o desenvolvimento tecnológico envolvido nestas investigações, contribui para o desenvolvimento de uma nova ciência que poderia se chamar Psicologia Molecular (MOURA; COSTA, 2012) ou, ainda, Biologia Molecular da Cognição (SQUIRE; KANDEL, 2003), e que será abordada no presente artigo, contudo, segundo uma linha de investigação mais específica desta area, ou seja, os mecanismos moleculares de consolidação da memória.
O antigo dualismo cartesiano entre mente e corpo parece se tornar cada vez mais antiquado, não se pensa mais em duas substâncias diferentes durante as investigações, mas em apenas uma, ou melhor, em apenas uma como produtora dos eventos mentais: fala-se de um substrato neural das funções mentais (SAKAGUCHI; HAYASHI, 2012). Assim, por hora, os cientistas de hoje encontram boas razões para acreditar que todas as atividades da mente emergem de uma parte especializada do nosso corpo, a saber, do encéfalo (SQUIRE; KANDEL, 2003). Esta abordagem biológica na qual se observa, consequentemente, determinismos biológicos marcantes (RUSSO; PONCIANO, 2002) oferece, todavia, uma perspectiva que acompanha recentes avanços biotecnológicos e novas tecnologias de neuroimagens, fornecendo um horizonte de investigação nunca antes imaginável.
A complexidade existente no funcionamento cerebral, contudo, pode apresentar barreiras metodológicas relevantes. Uma vez não sendo de simples execução observar in vivo muitos dos eventos moleculares, algumas limitações se impõem aos neurocientistas para compreender mecanismos microscopicamente ou mesmo em escala nanométrica. Entretanto, muito dos fundamentos de biologia molecular já oferecem princípios suficientes para deduções importantes a respeito do assunto como, por exemplo, a sequência de eventos envolvidos na regulação da expressão gênica em processos neuronais, tema hoje recorrente nas neurociências. Sabe-se, por exemplo, que a desregulação da expressão de microRNAs (miRNA) pode estar associada a disfunções neurológicas importantes, tal como o Alzheimer (FAGHIHI et al., 2010) tornando possível, inclusive, a prévia quantificação sérica de determinado micro-RNA envolvido nesta doença (LEIDINGER et al., 2013).
São inúmeras as pesquisas que buscando elucidar fisiopatologias, causas e consequências associadas acabam por, secundariamente, levantar informações pertinentes à neurociência em sua abordagem desinteressada (do ponto de vista terapêutico), isto é, uma neurociência que tem como objetivo primeiro não o desenvolvimento de novos tratamentos − apesar de sempre contribuir nisso −, mas o seu próprio desenvolvimento. É comum cientistas chamarem estas oportunidades de “janelas”. Deriziotis e Fisher (2013) abordaram distúrbios genéticos da linguagem afirmando que, embora mutações no gene FOXP2, um gene relacionado à linguagem, sejam raras, este gene fornece uma valiosa “janela molecular” a respeito dos mecanismos neurogenéticos da linguagem humana falada.
Ainda que o objetivo de determinadas pesquisas estejam relacionadas, em primeiro nível, a determinada doença do cérebro, a ocasião permite fornecer, além de novos tratamentos e diagnósticos, um meio profícuo de solucionar pelo menos alguns dos mistérios que habitam o cérebro. São a partir de ocasiões patológicas, portanto, que a edificação das neurociências encontra sua contribuição mais valiosa.
Os estudos sobre a memória não foram exceções nestas janelas patológicas. São conhecidos importantes trabalhos relacionados aos seus mecanismos que possuem, como gatilho e meio de investigação, pacientes que apresentam determinadas disfunções, em especial a amnésia. Foi em um estudo com um paciente apresentando uma lesão no lobo temporal encefálico que se pode, inicialmente, deduzir a importância desta região com relação à memória humana (SAKAGUCHI; HAYASHI, 2012). A lesão deste paciente, relatada em 1957, fora ocasionada pela retirada de uma porção do lobo temporal e do hipocampo (onde se visava tratar uma epilepsia). Após a cirurgia terapêutica, no entanto, observou-se manifestações amnésicas relacionadas à memória declarativa, isto é, a memória consciente, da qual passou, então, a estar associada ao hipocampo, e ao lobo temporal encefálico em sua porção medial, regiões agora concebidas como de extrema importância para este tipo de memória (SQUIRE; KANDEL, 2003).
Atualmente, a neurociência possui sua independência investigativa. É razoável afirmar que em tempos passados muito se esperava por janelas patológicas oportunas para estudo. Contudo, hoje a neurociência é capaz de tomar sua própria iniciativa, formulando seus próprios problemas e modelos de estudo sem precisar esperar por ocasiões singulares de disfunções cognitivas. Esta nova tomada neurocientífica, que usufrui de importantes recursos tecnológicos, permite o desenvolvimento de trabalhos que outrora foram considerados inconcebíveis (LASHLEY, 1950).
Os estudos neurocientíficos das funções mentais já reservam um grande volume bibliográfico, sobretudo terapêutico. Contudo, faz-se oportuno realizar uma reunião mais ou menos sistemática do que já se tem em
avanço a respeito dos seus mecanismos mais íntimos. Dessa forma, busca-se no presente trabalho, portanto, o substrato neural (SAKAGUCHI; HAYASHI, 2012) das faculdades mentais, em especial da memória, que tem apresentado notáveis avanços em recentes estudos (BLISS; COLLINGRIDGE, 2013; SACKTOR, 2012; SANHUEZA; LISMAN, 2013; TULLY; BOLSHAKOV, 2010).
O conteúdo desse texto busca, de início, elucidar alguns dos mecanismos básicos de sinalização celular que envolvem cascatas enzimáticas específicas na fisiologia neuronal. Feito isto, serão expostos, tendo como plano de fundo a memória, alguns dos processos moleculares envolvidos na plasticidade do sistema nervoso como, por exemplo, os eventos bioquímicos que transcorrem durante a formação de novos terminais sinápticos. Os estudos apresentados se baseiam, sobretudo, em sistemas orgânicos mais simples do ponto de vista evolutivo, tal como a Aplysia (um caramujo marinho), Drosophila (BLUM et al., 2009) e pequenos mamíferos (JOSSELYN et al., 2001). Contudo, não se deve descartar que os processos neurais descobertos por meio destes estudos não se encontrem, também, em mamíferos superiores, tal como o homem. A evolução guarda um princípio de conservação (SQUIRE; KANDEL, 2003) marcante ao longo dos tempos, mantendo mecanismos celulares comuns entre as espécies.
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