Sobre o Relacionamento Cotidiano


Haverá, evidentemente, diversos momentos em que o esbarrar entre rostos conhecidos do dia-a-dia será inevitável. No que tange o cumprimento, a cordialidade branda e o sorriso não há o que problematizar. É verdade que - exceto se considerarmos como instrumento de civilidade - tais cumprimentos são triviais e quase uma perda de tempo (se não fosse este ato tão breve). Todavia, o que vale a pena agora problematizar é a preocupante - ou não - frequentização de tais breves cumprimentos em detrimento de relações cotidianas, que deveriam ser, no mínimo, suavemente íntimas. Fenômeno este que costuma incessantemente acontecer aos portadores da sabedoria prática ou, respeitando a proposição dos antigos, aos portadores do desejo de alcançar a sabedoria.

Isto, claro, guia sorrateiramente este portador ao isolamento. Sem perceber - muitas vezes - é levado à uma solidão que chega a render o suicídio da vida social. O principal sintoma para diagnóstico disto é a arrogância por parte dos portadores da sabedoria prática, isto é - agora mudando o termo - arrogância por parte dos delinquentes da cultura vigente. Delinquência por conta do caráter contracultural do mesmo, da negação da adaptação social e cultural. Estes, em sua vida social, não raramente passam a odiar aqueles a que se submeteram a cultura, pois é inevitável a transparência conflituante desta ruptura. No cotidiano isto se traduz na redução, e até algumas vezes, na erradicação absoluta de amizades cordiais.

Esta solidão, como já foi dito muitas vezes pelo pessimismo de Schopenhauer, pode ser o principal alicerce para a intensificação do pensar, da sabedoria prática. De fato, o isolamento pode ser o principal instrumento para a meditação. Entretanto, seria ignorância boba, desconsiderar o comportamento doentio de muitos homens da história que buscaram este isolamento. Diziam-se, muitas vezes, serem felizes quando, na verdade - quando não se confessavam e exaltavam a infelicidade - eram, talvez, os seres mais infelizes do mundo na época destes. Não importava qual era a quantidade e qualidade de seus exercícios do saber, sempre demonstraram sintomas de pessoas extremamente infelizes.

Agora podemos chegar à uma conclusão: quem eram (são), então, os felizes? Com toda a certeza, levando em conta os fatos, eram e são felizes aqueles que não foram levados ao isolamento. São felizes, aqueles e aquelas que em seus cotidianos não têm uma vida social resumida aos breves cumprimentos. São felizes aqueles que por receberem intimidade são reconhecidos, são elogiados, são reclamados. Pois bem, e como alcançar a felicidade por esta via? Como ser reconhecido se, por mais que se tente, ainda somos tão contraculturais e, portanto, delinquentes, marginais da vida social? Como ser reclamado, quando temos um muro acústico - a sabedoria - que nos separa dos restos do humanos?

Abdicais de tua delinquência mano, largue todo esse lenga-lenga do pensar e volte seus olhos para o maquiavelismo dos ignorantes, dos que são aplaudidos e reconhecidos. Se submeta a ser ridicularizado por conversas vis. Aceite, com carinho, a incapacidade e má vontade de teu semelhante de usar o interior de suas caixas cranianas. Curve-se diante das paixões e vícios e não se esqueça de fazer de palhaço os que eram antes como você, sábios. Deixe de pensar na morte e projetar futuros, passe a pensar agora em como intensificar suas relações cotidianas, pois são elas que lhe reservarão reconhecimento, mesmo se não existir nada para ser reconhecido em ti. Esta é a lei do espetáculo, afinal a sabedoria são para durões e não para você, mero jovem contemporâneo de um sistema totalitário mercantil, como diziam os situacionistas. À partir de agora tua causa não é mais fundamentada no Nada, mas na causa alheia.

Vide a solidão que dilacera, minuciosamente, a ânsia de esperança.


- Benny

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