A Validade da Tarifa-Zero


Enxergar a importância primordial de pensar o transporte em uma cidade não deveria ser aventura de poucos. No que condiz com a construção de uma cidade melhor o transporte deve estar entre as prioridades imperativas de articulação e ação. Se concebermos, como trajeto ideal de evolução, a procura incessante da liberdade - isto é, pensar em como estarmos sempre mais próximos da emancipação real e absoluta - a mobilidade, o livre ir-e-vir, então, deverá protagonizar, juntamente com outros problemas, os meios para a busca deste fim. Liberdade, portanto, mobilidade.

Tal mobilidade, em sua representação urbana, será indiscutivelmente o transporte ou, mais objetivamente, os meios de transporte. É justamente o debate da gestão destes meios (transporte) que têm sido tarefa de poucos - o que não deveria acontecer, afinal na cidade não moram poucos. A hierarquia de prioridades do debate urbano não corrobora com a realidade; é perfeitamente válido entendermos o transporte como um bem essencial tão importante como a moradia, a educação e a saúde. Se um destes bens está negligenciado a cidade então está em crise. Todavia, tal crise costuma frequentemente ser exaurida das percepções pela problematização exagerada de assuntos "luxuosos" dos indivíduos do poder. Os problemas da cidade - por exemplo - não estão na falta de pistas que tais indivíduos julgam ser a causa de engarrafamentos; mas sim, obviamente, na raiz do problema que é propositalmente ignorada (ausência de transporte coletivo eficiente); pois, a resolução real e sincera do problema resultaria na enorme perda de riquezas de alguns poucos miseráveis espíritos de porco.

Solucionar os problemas da cidade - não só o transporte, mas todo e qualquer problema no mundo - é caminhar sinceramente, sem ignorar a realidade por interesses absolutamente pessoais, em direção a essência do problema, evitando de uma vez por todas medidas paliativas e inúteis. Portanto, acabar, ou ao menos diminuir drasticamente com as mortes no trânsito, a falta de estacionamentos; os engarrafamentos; a poluição (sonora, ambiental e visual); os gastos colossais com combustíveis; os gastos infantis com novas pistas; e muitas outras coisas será, necessariamente, sem possibilidade de paliativos, o transporte coletivo gratuito e de maior qualidade possível.

Entender, então, estes problemas, é reconhecer a tragédia que é uma sociedade que deseja carros a todo o momento. Este desejo está, inegavelmente, relacionado à necessidade mórbida de suprir a falta de mobilidade com carros - e muitos mais carros! Além disso, cobrar tarifas por um bem essencial é um absurdo e imoral - apesar de muitas vezes parecer o contrário por conta de tabús (para muitos é um absurdo um transporte coletivo  gratuito). Enxergar esta realidade sem tarifas tem parecido difícil mas não deveria, afinal paradigmas existem para serem destruídos. Nesta lógica, o transporte deve abandonar as mãos de empresas privadas e passar a pertencer a alguma entidade gestora com vínculo popular, seja ela o Estado (paliativo momentâneo) ou entidades populares de gestão propriamente ditas. Assim, teremos o transporte mais próximo das pessoas e ele deixaria de ser fonte de lucro. Por que razão temos de pagar algo que é tão essencial quanto a saúde e educação? Não há possibilidade ética de algumas poucas e lamentáveis pessoas usar das necessidades intrínsecas de uma população para proveito exclusivo: o transporte enquanto mercadoria não tem procedência ética e muito menos lógica. O Movimento Passe-Livre formula tal raciocínio e o conclui em proposta prática para a sociedade. Proposta esta que será aplicada somente quando tivermos claramente em nossas reflexões o absurdo que é o transporte coletivo nas mãos de empresas privadas. Trata-se de tornar o transporte público de fato, de concretizar esta possibilidade, de reconhecer o enorme valor do direito à cidade, do direito de ir e vir. Liberdade, mobilidade, portanto, tarifa-zero.


- Benny

Comentários

Ítalo Richard disse…
Assunto polêmico que merece debate. Esse fato me lembra a mobilização dos estudantes baianos quando pararam o transito de Salvador em 2002 protestando contra as tarifas abusivas e exigindo a tarifa zero a estudantes. Foram mais de uma semana de protestos com o trânsito completamente engarrafado e as notícias saindo em todos os jornais do País. Mas, o fato é que pouca coisa foi feita a nosso favor, algumas coisas foram negociadas,no entanto quando existem interesses maiores em questão, por parte dos "grandes", se torna uma batalha dificil.

abraço,
www.todososouvidos.blogspot.com

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