O Bom Democrata


Todo bom democrata do novo século muito bem sabe que a melhor repressão política se faz pelas entrelinhas, por meio de um "debate", permitindo o diálogo, negociando... aliás, não é ele um bom homem de negócios? Ele sabe que o chicote está fora de moda para uma sociedade que já obedece naturalmente. Engenheiro de estratégias, não economiza um pensamento friamente calculado para achar uma solução. É um crítico de primeira linha, com grande carga de leitura. Ele é cidadão, sabe do "bem-viver", por onde passa exala virtudes, deixando belos sorrisos. Não se deixa perder a elegância: sabe o quanto um sorriso e palavras humildes podem surtir efeito. Ele reprime! Sim! Mas é um pai de família, ama os seus filhos! Não deixa escapar uma oportunidade para reafirmar incessantemente isso. Profissional, expert, especialista da democracia: como poderia ele deixar reinar mais marcas de repressão? Não, ele prefere se adequar ao discurso acolhedor, dos direitos do homem. Sempre que possível fala de direitos humanos, como se nada pudesse intervir em sua língua. Aliás, que belas palavras ele pronuncia! Justiça, amor, igualdade, solidariedade... é, pois, um filantropo ativo, sempre que pode distribui esmola para os miseráveis, pois bem sabe: um ato de solidariedade silencia os instintos "selvagens" dos pobres. Como bom repressor, exibe uma "imparcialidade" quase sensual: arbitrariedade com ele nunca! É um intelectual de primeira, aliás, um filósofo: conhece todos os fetiches ideológicos da sociedade. Tanto conhece que sabe perfeitamente usá-los. Seria o bom democrata um homem violento? Jamais seria! Como ele poderia? "Violência só traz mais violência". Se for pra reprimir, que seja de modo não-arbitrário, que seja reproduzindo uma boa oratória, com discursos morais enraizadores e protegidos pela ética "materialmente" institucionalizada, isto é, a lei. Ora, não seja extremista! a nossa lei é tolerante, universal, pinga razão por todos os lados! Ah sim! Tolerância é com ele mesmo: negros, homossexuais, aidéticos, índios, estrangeiros e, até, maconheiros... todos merecem direitos, pois são todos homens, portanto iguais! "Boa educação" para todos eles afim de se tornarem cidadãos de direito, no vabulário do bom democrata: Homens de verdade! Mas todos estes compromissos, todas essas responsabilidades, todas essas idéias podem custar muito para sua individualidade concreta. Assim - sem negligenciar a elegância e voz de maturidade - ele precisa ter uma esperteza "maquiavélica", coisa de criança, quem nunca viu um muleque fazer coisas horríveis "inocentemente"? Logo, nosso bom democrata é muito esperto. Diante de qualquer conflito sabe tirar proveito, assim como uma criança tira proveito em dedurar o irmão. Ao esforço de mascarar um conflito - atuando desta perspectiva como pai - gera lucro! Mas, não vamos falar de negócios, ele não pode deixar transparecer "o lobo que habita dentro de ti". O bom democrata tem assuntos de ordem social pra cuidar, isto é, seu tabuleiro, onde conhece muito bem a ordem das peças. Ele é, assim como um bom estrategista, bom jogador: sempre sabe prever como se dará a contestação das massas. Por isso, não se preocupa tanto com os "cachorros que latem e não mordem". Rí e abre deliciosos vinhos enquanto as massas gastam suas vozes na rua, pois bem sabe: "quem poderiam eles ferir?". Assim é o bom democrata ou cidadão, antes protegido por fortes e sólidas armaduras, hoje por uma armadura invisível, não menos eficiente, mas assombrosa, a saber, o policiamento humanitário. A tirania se tornou racional, ou melhor, virtual. Antes escravização preventiva: a culpa, o ressentimento, a humildade e o amor; que a escravização punitiva. Esta última, deixemos ao cargo, paradoxalmente, do que já foi internalizado na primeira. É por isso e por derivados acima e abaixo que o indivíduo, na sociedade profundamente modernizada só pode afirmar sua existência por via do crime.

- Benny.

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