Eticismo metafísico: uma fraqueza dos movimentos emancipatórios.


Por Benilson Nunes (Benny)

O eticismo metafísico não é uma doutrina formada, isto é, no sentido de haver um sistema de pensamento desenvolvido. É muito mais uma tendência inconsciente que determina o modo de pensar de movimentos políticos. No caso, trata-se de uma tendência no modo de ver e interpretar o mundo. Ele está, sobretudo, presente na crítica que se elenca contra os diferentes modos de dominação que persistem em nossa história. Além disso, quem está em sua esteira não percebe que o está. Ele é invisível dentro dos raciocínios emancipatórios e compromete a análise dos fenômenos sociais, bem como os encaminhamentos de luta. Compromete-se com o eticismo metafísico quem vê o mundo como ele devia ser no lugar de ver o que ele simplesmente é. Por isso, diz-se "eticismo" metafísico: uma ética do dever (mais especificamente, do "dever ser") é colocada no lugar do real. O real, com isso, não é mais os fatos ou a história que constitui os fatos, mas o que se espera que o real seja. Antecipa-se no hoje, dessa forma, o que se espera do amanhã, comprometendo a percepção adequada das coisas presentes. Os anseios que vigoram nos meios de luta são legítimos, são norteadores, inspiradores. Todavia, sobretudo quando há grande carga de frustração, os anseios extravasam seu território norteador para se colocar como ferramenta de análise do agora. Ferramenta, esta, devemos dizer novamente, inconsciente. A ética, assim, toma o lugar do realismo metafísico, toma o lugar do que deve simplesmente ser constatado ou descrito, de tal forma que cumpre a seguinte máxima: "O que deve ser, é. O que não deve ser, não é". A realidade concreta para o eticista metafísico, por ser indesejada, foge ao seu alcance e se chega ao ponto de negar, por exemplo, que a violência é um fato bruto do mundo social. O eticismo metafísico diz coisas como "amor não tem a ver com violência", "estupro não tem a ver com sexo", "há espaços sociais sem dominação", "a linguagem dominação-dominado explica suficientemente a realidade", "é possível relações sociais sem objetificação", "a intersubjetividade existe". O epítome desses dizeres seria "porque detesto a realidade, ela só pode ser falsa". O mundo presente é detestável e, por isso, não deve ser levado em conta, inclusive para encaminhamentos estratégicos. O eticismo metafísico é, primeiramente, dualista: ele separa o mundo natural do mundo subjetivo, cultural. Mas logo ele deixa de ser dualista. Como a dimensão visionária das lutas se dá sobre o mundo subjetivo, isto é, o mundo cultural, e não o mundo natural, a ética inserida na percepção dos fenômenos obscurece a parte das determinações naturais. Com isso, o eticismo metafísico vai mais longe e passa a defender uma radical desnaturalização do mundo social, tornando tudo aquilo que se encontra como fato físico, da natureza, como dispensável para o pensamento sociológico. Como consequência, ele abandona o dualismo natureza/cultura, que já era prejudicial, para algo pior: um monismo cosmovisionário onde só a cultura tem lugar. O campo do possível para o eticismo metafísico, é, propriamente, o campo do atualmente necessário. Espera-se que o mundo projetado, o que "devia ser", o seja agora. Exige-se de todos que cumpra uma forma de vida desde já, esperando, assim, que com empenho as coisas poderão, e serão, diferentes. E o que não está na cartilha do eticismo metafísico é ideológico. A ideologia, ou "mecanismos de dominação", como dizem, estão por todos os lados e, mais ainda, não "devem ser". Nenhuma forma de dominação é fato, mas doença, coisa a ser extirpada de uma vez por todas. Não por acaso, assume-se uma ética imperativa, universal, sufocando as formas de vida que não estão, ou mesmo nunca estarão, ao alcance dela. Nesse sentido, o eticismo metafísico também é um idealismo ético: existem normas éticas imanentes. A ideia de uma ética imanente, universal, está implícita nos discursos emancipatórios. O dever ser não se encerra em sua deontologia, ele deve ser para todos e todas. E ele deve ser desde já, como se o mundo vislumbrado, o que é por definição não real, fosse real.

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